Tolerar descumprimento de contrato afasta possibilidade de cobrança de multa

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Por Ezequiel Frandoloso

A multa contratual ou cláusula penal numa relação comercial entre particulares é aquela ajustada entre os negociantes, na fase pré-contratual do negócio jurídico, com o intuito de evitar a ruptura precoce do contrato principal.

No Brasil, o Código Civil dispõe, em seu artigo 412, como regra, que o valor de uma multa contratual não pode exceder o da obrigação principal do negócio.

Para os casos que envolvam relação de consumo, a multa por descumprimento de uma obrigação, conforme § 2º do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor, não pode ultrapassar o percentual de 2% (dois por cento).

Então, desde que a multa não supere o limite disposto em lei, a cláusula penal estipulada entre os contratantes é legal. Todavia, apesar do limite disposto em lei, há possibilidade de revisão, nos termos do artigo 413 do Código Civil.

Imaginemos situações distintas de contratos comerciais nos quais as Partes estipulam cláusula penal para o caso de não aquisição mínima de produtos em determinado período. São tantos os exemplos de prática comercial nesse sentido que beneficiam ambas as Partes. Citemos os casos de aquisição mínima de energia, de aquisição mínima de combustíveis, de cápsulas de cafés, entre outros.

Comumente, nessas espécies contratuais, as Partes ajustam uma multa para o caso de o contratante não atingir o número mínimo de aquisições durante um período. Vale destacar que o ajuste é bilateral, o contrato é firmado pelas partes por livre e espontânea vontade, as quais não são obrigadas a fazer negócio entre si e, dependendo das exigências feitas, o negócio tende a não ser finalizado, justamente porque as Partes possuem autonomia de vontade, liberdade de contratar e, sobretudo, experiência no segmento de mercado de atuação e estão, portanto, no mesmo patamar de igualdade.

Nas situações, não nos espanta falar em violação do princípio da boa-fé objetiva pré-contratual o questionamento de cláusula penal discutida previamente e disposta em contrato firmado e que é de conhecimento das Partes ou, então, que deveria ser de conhecimento de quem alega desconhecê-la ou alega abusividade, eis que toda cláusula do negócio é discutida, conforme dito, na seara pré-contratual, inexistindo surpresa ou imposição.

E, se a boa-fé objetiva norteia a discussão das cláusulas contratuais na fase pré-contratual e houver assinatura do negócio, não há que se falar em não observância do citado princípio ao famigerado argumento de desigualdade ou hipossuficiência de uma das partes de modo a permitir sua revisão na seara judicial.

Sendo válido o ajuste que estipula a cláusula de multa, o questionamento que se faz é se tolerar o descumprimento contratual pode afetar no futuro a exigência da multa em eventual investida extrajudicial ou judicial?

Pois bem. Uma característica importante de qualquer espécie contratual entre particulares é a confiança e para a garantia desse aspecto não se pode cogitar o comportamento contraditório de uma parte durante sua vigência. Se a parte tolerar o descumprimento do contrato e, posteriormente, vier a exigir verba decorrente do descumprimento não estaria ferindo a confiança?

Nesse sentido, leciona o professor doutor Ezequiel Morais, em sua obra “A boa-fé objetiva pré-contratual, Deveres anexos de conduta”, Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2ª Edição, de abril de 2021, pág. 183: “A vedação do comportamento contraditório (ou do comportamento-surpresa) assegura a manutenção da situação de confiança criada nos negócios jurídicos. É regra de coerência, na qual é vedado que se aja em determinado momento de certa maneira e, depois, seja adotado um comportamento contrário à conduta inicial”.

Imaginemos que uma empresa tolere o descumprimento de cláusula contratual que tem como escopo exigir a aquisição mínima de determinado produto.

Na situação, se a fornecedora vier, posteriormente, a exigir a cláusula penal — tendo tolerado o descumprimento do contrato por diversos anos, sem qualquer notificação extrajudicial do transgressor contumaz do negócio — estaríamos diante de uma situação no mínimo desleal por parte daquela.

Nesse sentido, por exemplo, o STJ decidiu no REsp nº. 1.338.432-SP, em 2017, tendo como relator o ministro Luis Felipe Salomão: “A inércia da autora em exigir o adimplemento da obrigação pactuada, somada ao longo decurso do tempo (quase seis anos), configura, a meu ver, as figuras da supressio e da surrectio.”

O alerta que se faz é que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça tem sido adotado pelos tribunais de justiça dos estados, de modo que é extremamente necessário que o beneficiário da cláusula penal tenha um comportamento de antecipação, sob pena de ver a multa contratual se esvair.

Por isso tudo, é indispensável que o interessado em exigir a multa decorrente de eventual descumprimento de contrato não seja omisso, pois a denúncia da cláusula de aquisição mínima de produto logo no início da infração contratual tem sido uma condição para exigência do valor da multa.

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