Novo recall e o Código de Defesa do Consumidor

Novo recall e o Código de Defesa do Consumidor

 

Ezequiel Frandoloso*

 

O “recall” não é só aplicável a veículos. Normalmente, sim, é lembrado como sendo um “chamado” para substituição de peças ou revisão de veículos, porém é um procedimento previsto para todo e qualquer produto ou serviço.

A palavra “recall”, de origem inglesa, significa uma solicitação de devolução de um lote ou de uma linha inteira de produtos de determinado fabricante. É conhecido, também, por “chamamento” ou “aviso de risco”, e o objetivo é proteger e preservar a vida, saúde, integridade e segurança, bem como evitar prejuízo de ordem material e moral ao consumidor e, também, a terceiro.

No Brasil, o recall é positivado no artigo 10º do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 10 …§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários”.

Recentemente, em 2 de julho de 2019, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, publicou a Portaria 618, de 1º de julho de 2019, com vigência a partir da data de sua publicação trazendo novas regras para o procedimento de recall aplicável a qualquer produto ou serviço em todo o país. Essa portaria revogou a norma até então vigente no Brasil, a Portaria nº. 487, de 15 de março de 2012.

Ainda, em 2.7.2019, o Ministério da Infraestrutura e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, editaram, em conjunto, a Portaria nº. 3, de 1º de julho de 2019, com vigência a partir de 90 dias de sua publicação, ou seja, a partir de 30 de setembro de 2019, disciplinando novas regras para o recall de veículos, revogando-se, no ato, a Portaria nº. 69, de 15 de dezembro de 2010. A nova portaria disciplina especificamente regras para recolhimento e reparo de veículos.

Para os demais produtos e serviços, prevalecem portarias específicas emitidas pelos Órgãos a que aqueles estejam vinculados e em consonância com a atual Portaria geral nº. 618, de 1º de julho de 2019. No caso de medicamentos, por exemplo, a ANVISA regulamenta o procedimento pela RDC nº. 55 de 2005. Citemos, ainda, a RDC nº. 24/2015, que trata do recall de alimentos.

Portanto, com base no Código de Defesa do Consumidor e nas Portarias recém-publicadas, outrora citadas, é que os Órgãos responsáveis por cada segmento de mercado editam suas resoluções/regulamentos sobres regras de recall.

O fornecedor, além de observar o regramento geral de recall, que é o caso da atual Portaria nº. 618 de 2019, deve observar a Portaria específica (como é o caso do recall de medicamentos e alimentos disciplinado pela ANVISA).

E, de acordo com a atual Portaria de recall (618 de 2019), damos destaque (i) a inserção de prazos de divulgação e procedimento de informação/divulgação junto as autoridades competentes e consumidores; (ii) pulverização da divulgação de campanha para redes sociais e internet em geral; e (iii) regras mais detalhadas de apresentação de relatórios e encerramento do procedimento.

O que a Portaria geral de recall trouxe de bastante positivo é a centralização da comunicação pelo fornecedor a SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor) e ao Órgão normativo ou regulador do segmento de produto ou serviço – afastou a comunicação fragmentada pelo fornecedor a diversos órgãos estaduais e municipais de defesa do consumidor (PROCONS), tarefa, agora, que cabe a SENACON, nos termos do artigo 12º da Portaria -, porém perdeu a oportunidade de simplificar a comunicação tão somente a SENACON condicionada a comprovação de cumprimento de norma específica do órgão regulador, como, por exemplo, a implementação das regras de recall de alimentos, a fim de evitar conflito de competência e desburocratizar o procedimento de recall ao fornecedor do qual continua sendo exigida duas frentes.

Outro ponto de destaque da nova Portaria, em consonância com o CDC, é a fixação de prazos específicos para o procedimento de recall, o que, antes, na Portaria antiga era tratado de forma superficial, como, por exemplo, quando era exigível comunicação usava-se o termo “imediatamente”.

Ainda, a Portaria trouxe regras mais seguras acerca da apresentação de relatórios de atendimento (até o último dia útil do mês seguinte ao período de referência) ao SENACON e, também, a apresentação de relatórios periódicos a cada 4 meses (sem prejuízo de ser exigido relatório em periodicidade inferior), e a possibilidade de o fornecedor, após o 5º ano da companha, requerer a dispensa ou dilação do prazo para apresentação do citado relatório periódico e, no caso de dispensa, a exigência de apresentação do relatório final, o qual também será exigido quando a campanha alcançar 100% de atendimento ou quando for o caso de arquivamento por perda de objeto.

Esses relatórios, no antigo recall, eram exigidos por diversos órgãos, como pelo DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor), PROCONS’S e pelos órgãos normativos ou reguladores específicos. Agora, exigidos pela nova Portaria tão somente pela SENACON, conforme artigo 8º da Portaria.

Por outro lado, a Portaria de recall de veículos trouxe mudanças significativas com o objetivo de melhorar o atendimento aos chamados das fabricantes por conta da baixa adesão dos consumidores (cerca de 40% dos veículos).

Dentre as principais mudanças do novo recall de veículos citemos (i) a introdução de aviso de recall não atendido pelo proprietário no prazo de 1 (um) ano no documento do veículo (CRLV), no próximo licenciamento e, após realizada a revisão, o fornecedor terá o prazo de 15 (quinze) dias para informar o sistema Renavan para baixa do informe; (ii) a ampliação do método de divulgação de recall pelas montadoras para as redes sociais, mantendo-se as demais regras de veiculação (TV, rádio, jornal e site); e (iii) obrigação de o Denatran comunicar o atual proprietário do veículo por meio do sistema Renavan de consulta com alertas por meio da carteira digital de trânsito (CDT), sistema de notificação eletrônica (SNE), portal de serviços do Governo Federal e por meio do site do Denatran. Esse último aspecto vem para diminuir a dificuldade de localização do atual proprietário do veículo pelo fornecedor após o 1º dono (que é de quem as montadoras possuem os dados) transferi-lo.

Entendemos que as novas regras, tanto as regras gerais quanto as específicas para o recall de veículos, em consonância com CDC, trarão maior segurança jurídica tanto ao consumidor quanto ao fornecedor, colaborando para a eficaz aplicabilidade do procedimento e trazendo estabilidade nas relações de consumo, embora acreditemos que a Portaria geral de recall poderia ter trazido um procedimento simplificado de comunicação a um único órgão mediante comprovação de todos os requisitos exigidos pelos órgãos específicos.

* Ezequiel Frandoloso é advogado, consultor jurídico e estrategista em São Paulo, especialista em Direito do Consumidor, Civil, Empresarial e Constitucional de Frandoloso Advogados.

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